domingo, 19 de setembro de 2010

A DESGRAÇA REAL


Toda a gente fala da desgraça,  toda a gente já a sentiu e julga conhecer-lhe o caráter múltiplo.  Venho eu dizer-vos que quase toda a gente se engana e que a desgraça real não é, absolutamente, o que os homens, isto é, os desgraçados , o supõem.
Eles a vêem na miséria, no fogão sem lume, no credor que ameaça, no berço de que o anjo sorridente desapareceu, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça descoberta e com o coração despedaçado, na angústia da traição, na desnudação do orgulho que desejara envolver-se em púrpura e mal oculta a sua nudez sob os andrajos da vaidade.
A tudo isso e a muitas coisas mais se dá o nome de desgraça, na linguagem humana.
Sim, é desgraça para os que só vêem o presente; a verdadeira desgraça, porém, está nas consequências de um fato, mais do que o próprio fato.  Dizei-me se um acontecimento, considerado ditoso na ocasião, mas que acarreta consequências funestas, não é, realmente, mais desgraçado que outro que a príncipio causa viva contrariedade e acaba produzindo o bem.
Dizei-me se a tempestade que vos arranca as árvores, mas que saneia o ar, dissipando os miasmas insalubres que causariam a morte, não é antes uma felicidade do que uma infelicidade?
Para julgarmos de qualquer coisa, precisamos ver-lhe as consequências.  Assim, para bem apreciarmos o que, em realidade, é ditoso ou inditoso para o homem, precisamos transportar-nos para além desta vida, porque é lá que as consequências se fazem sentir.
Ora, tudo o que se chama infelicidade, segundo as acanhadas vistas humanas, cessa com a vida corporal e encontra a sua compensação na vida futura.
Vou revelar-vos a infelicidade sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolheis e desejais com todas as veras de vossas almas iludidas.
A infelicidade é a alegria, é o prazer, é o tumulto, é a vã agitação, é a satisfação louca da vaidade, que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que atordoam o homem com relação ao seu futuro. A infelicidade é o ópio do esquecimento que ardentemente procurais conseguir.
Esperai, vós que chorais!  Tremei, vós que rides, pois que o vosso corpo está satisfeito!  A Deus não se engana; não se foge ao destino; e as provações, credoras mais impiedosas que a matilha que a miséria desencadeia, vos espreitam o repouso ilusório para vos imergir de súbito na agonia da verdadeira infelicidade, daquela que surpreende a alma amolentada pela indiferença e pelo egoísmo.
Que, pois, o Espiritismo vos esclareça e recoloque, para vós, sob verdadeiros prismas, a verdade e o erro, tão singularmente deformados pela vossa cegueira!
Agireis então como bravos soldados que, longe de fugirem ao perigo, preferem as lutas dos combates à paz que lhes não pode dar glória, nem promoção!
Que importa ao soldado perder na refrega armas, bagagens e uniforme, desde que saia vencedor e com glória?
Que importa ao que tem fé no futuro deixar no campo de batalha da vida a riqueza e o manto de carne, conquanto que sua alma entre gloriosa no reino celeste?


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Delfina de Girardin - Paris/1861
O Evangelho Segundo o Espiritismo


domingo, 12 de setembro de 2010

HISTÓRIA DE UM PÃO


Quando Barsabás, o tirano, demandou o reino da morte, buscou debalde reintegrar-se no grande palácio que lhe servira de residência.
A viúva, alegando infinita mágoa, desfizera-se da moradia, vendendo-lhe os adornos.
Viu ele, então baixelas e candelabros, telas e jarrões, tapetes e perfumes, jóias e relíquias, sob o martelo do leiloeiro, enquanto os filhos querelavam no tribunal, disputando a melhor parte da herança.
Ninguém lhe lembrava o nome, desde que não fosse para reclamar o ouro e a prata que doara a mordomos distintos.
E porque na memória de semelhantes amigos ele não passava, agora, de sombra, tentou o interesse afetivo de companheiros outros de infância...
Todavia, entre estes encontrou simplesmente a recordação dos próprios atos de malquerença e de usura.
Barsabás entregou-se às lágrimas, de tal modo, que a sombra lhe embargou, por fim, a visão, arrojando-o nas trevas.
Vagueou por muito tempo no nevoeiro, entre vozes acusadoras, até que um dia aprendeu a pedir na oração, e, como se a rogativa lhe servisse de bússola, embora caminhasse às escuras, eis que, de súbito, se lhe extingue e ele vê, diante de seus passos, um santuário sublime, faiscante de luzes.
Milhões de estrelas e pétalas fulgurantes povoavam-no em todas as direções.
Barsabás, sem perceber, alcançara a Casa das Preces de Louvor, nas faixas inferiores do firmamento.
Não obstante deslumbrado, chorou, impulsivo, ante o ministro espiritual que velava no pórtico.
Após ouvi-lo, generoso, o funcionário angélico falou sereno:
- Barsabás, cada fragmento luminoso que contemplas é uma prece de gratidão que subiu da Terra...
- Ai de mim, soluçou o desventurado, eu jamais fiz o bem...
- Em verdade, prosseguiu o informante, trazes contigo, em grandes sinais, o pranto e o sangue dos doentes e das viúvas, dos velhinhos e órfãos indefesos que despojaste, nos teus dias de invigilância e de crueldade, entretanto, tens aqui, em teu crédito, uma oração de louvor...
E apontou-lhe acanhada estrela que brilhava à feição de pequeno disco solar.
- Há 32 anos, disse, ainda, o instrutor, deste um pão a uma criança e essa criança te agradeceu, em prece ao Senhor da Vida.
Chorando de alegria e consultando velhas lembranças, Barsabás perguntou:
- Jonakim, o enjeitado?
- Sim, ele mesmo, confirmou o missionário divino.
- Segue a claridade do pão que deste, um dia, por amor, e livrar-te-ás, em definitivo, do sofrimento nas trevas.
E Barsabás acompanhou o tênue raio do fulgor que se desprendia daquela gota estelar, mas, em vez de elevar-se às alturas, encontrou-se numa carpintaria da própria Terra.
Um homem calejado aí refletia, manobrando a enxó em pesado lenho...
Era Jonakim, aos quarenta anos de idade.
Como se estivessem os dois identificados no doce fio de luz, Barsabás abraçou-se a ele, qual viajante abatido, de volta ao calor do lar.

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Decorrido um ano, Jonakim, o carpinteiro, ostentava, sorridente, nos braços, mais um filhinho, cujos louros cabelos emolduravam belos olhos azuis.
Com a benção de um pão dado a um menino triste, por espírito de amor puro, conquistara Barsabás, nas Leis Eternas, o prêmio de renascer para redimir-se.


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Livro O Espírito da Verdade
Chico Xavier pelo espírito Irmão X


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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

DOENÇA É HERANÇA DE NOSSOS PAIS?




No passado, culturas materialistas, como a de Esparta, eliminavam deficientes físicos no nascedouro, pretendendo sustentar uma raça de guerreiros impecavelmente fortes e saudáveis.
Essa eugenia amoral está presente hoje nos modernos centros médicos, onde sofisticados exames, durante a gestação, determinam, quanto à conveniência de eliminar embriões "defeituosos", como se fossem peças de uma fábrica rejeitadas nos testes de qualidade.
O Espiritismo tem uma contribuição a nos oferecer, neste particular, demonstrando que crianças com problemas mentais e físicos são Espíritos em provação, enfrentando situações compatíveis com suas necessidades evolutivas e seus débitos cármicos.
Os pais, por sua vez, situam-se, geralmente, por parceiros ou mentores de seus delitos. Tem, por isso, o intransferível compromisso de ajudá-los nessas penosas jornadas de reabilitação.
O problema, portanto, não pode ser reduzido a simples acidente biológico. Embora as leis de genética estejam presentes no ato reencarnatório, não funcionam de forma casual. O mecanismo é causal. Não é o acaso que promove a combinação de elementos hereditários. A causa está nas vivências anteriores do reencarnante, que determinam a natureza de seu corpo, com as facilidades ou dificuldades que enfrentará.
Há casos em que os pais abortaram o feto que nasceria com problemas mentais, e numa nova tentativa o feto formou-se sem problemas, mas depois de alguns anos, contraiu meningite que deixou seqüelas mentais. Daí, os pais não tiveram coragem de descartá-lo, porque já aprenderam a amá-lo. É a lei perfeita de Deus agindo a nosso favor.

ENTÃO, DOENÇA NÃO É HERANÇA GENÉTICA?

A fatalidade hereditária funciona na composição da cor dos cabelos, da pele, dos olhos, da estrutura física, da morfologia. Quanto às questões envolvendo saúde, inteligência, vitalidade, o reencarnante tenderá a aproveitar os elementos genéticos compatíveis com suas necessidades e compromissos.
Recebemos de nossos genitores (pais) o material (genes) para uma nova moradia (corpo) e este será construido conforme a história que escrevemos em nosso passado, ou seja, nossa estrutura orgânica será compatível com nossas necessidades evolutivas. Nosso corpo será a colheita do nosso plantio.
Um indivíduo violento, sempre pronto a resolver "no braço" suas pendências, terá corpo frágil que inibirá seus impulsos agressivos. Ainda que reencarne em família de gente forte e saudável, ressurgirá na carne com educativas deficiências.
Geralmente, quem nasce cego dentro de uma família de cegos, é porque este espírito está aproveitando a herança genética daquela família para regastar, coletivamente, débitos do passado.

E OS QUE NASCEM SAUDÁVEIS EM FAMÍLIA COM SÉRIOS PROBLEMAS GENÉTICOS?

Neste caso chamamos de missão. É quando um Espírito reencarna com importante missão no seio de uma família que tende a gerar deficientes físicos, por exemplo, em virtude de problemas genéticos. Mas, pela natureza de suas tarefas, ele deve ter corpo saudável. Assim, técnicos da Espiritualidade atuando com segurança, selecionam o óvulo mais promissor, o espermatozóide mais adequado e promovem a fecundação, aproveitando da melhor forma possível os caracteres hereditários, favorecendo o reencarnante.
Então, missionário ou reeducando, tarefeiro ou aprendiz, teremos sempre o corpo, a saúde compatível com nossos compromissos, de acordo com os sábios desígnios de Deus, presentes até mesmo na folha que cai de uma árvore, como ensinava Jesus.


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Grupo de Estudos Allan Kardec
http://grupoallankardec.blogspot.com/


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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A PESSOA DO FUTURO


"Tu mesmo preparas muitas vezes os acontecimentos que hão de sobrevir no curso da tua existência" (O Livro dos Espíritos)

Muitas vezes, observando as características de uma criança, ficamos a imaginar o que a espera no futuro, as possíveis profissões para as quais poderá se inclinar, as dificuldades que terá, se aspectos da sua personalidade não forem corrigidos, e também o quanto será feliz, se algumas qualidades se mantiverem em sua conduta.
É também muito comum, numa espécie de devaneio, imaginar como estaremos no futuro ou pelo menos o que desejamos ser ou ter nos dias do amanhã e, conscientes do que precisa ser feito, nos esforçamos para a realização desses desejos.
Embora a sabedoria popular já tenha dito que "o futuro a Deus pertence", podemos pelos nossos esforços no bem preparar um amanhã mais ditoso, aqui ou no além, rompendo as repetições e condicionamentos que nos escravizam a um processo nitidamente neurótico.
Carl Rogers (1902-1987) psicólogo americano, humanista, escritor de vários livros e um dos precursores da psicologia transpessoal, ousou descrever quais seriam as características da pessoa do futuro a partir de seus largos estudos e observações como terapeuta, educador e pesquisador do comportamento humano.
Para ele a pessoa do futuro terá as seguintes características:

- Abertura
- Desejo de autenticidade
- Ceticismo em relação à ciência e à tecnologia
- Desejo de inteireza
- Desejo de intimidade
- Reconhecer-se sempre em processo evolutivo
- Dedicação
- Atitude em relação à natureza
- São pessoas anti-institucionais
- Autoridade interna
- Certa irrelevância aos bens materiais
- Anseio pelo espiritual

Estas 12 características nos suscitam vários questionamentos.
Um deles o de pensar se as famílias, centros espíritas e demais espaços educativos, em concordando com a visão de Rogers, estão preparados para a formação de um ser humano com este perfil.
Outra questão controversa é que ser anti-institucional pode ser também uma discordância da maneira pela qual as instituições se apresentam e se regulam e não uma oposição sistemática a toda e qualquer instituição.
Da mesma forma, ter ceticismo em relação à Ciência e à Tecnologia não significa negar sistematicamente os inúmeros benefícios que elas já puderam propiciar à Humanidade, mas questionar os interesses mercantilistas e hegemônico daqueles que delas se utilizam para lucrar, oprimir, aumentar a miséria, dominar com o poder do conhecimento, quando deveriam melhorar as condições de vida de todos os que se encontram na Terra.
A proposta de Rogers nos faz lembrar Allan Kardec quando este revela que a aristocracia do futuro será marcada por caracteres intelectuais e morais, isto é, que o ser humano do futuro utilizará a sua inteligência sempre de forma pacífica, benigna, a serviço do progresso coletivo.
A partir daí, começamos a pensar que esta oportuna síntese de Carl Rogers tem relação com a proposta espírita, com os caracteres do homem de bem, com a missão do homem inteligente na Terra, com a missão dos espíritas, em particular, e com a tarefa que nos cabe a todos como seres encarnados de um modo geral.
E que toda esta reflexão e ação deve ser permeada por uma necessidade constante de auto-conhecimento.
Não se trata de um exercício vazio de futurologia, mas de uma análise feita por um educador humanista do século XIX, sob a inspiração dos espíritos superiores, e de outra análise elaborada também por um educador, este do século XX, igualmente inspirada nas suas ricas e proveitosas experiências.
Que ambas nos façam refletir sobre como podemos empregar bem o nosso tempo, desenvolvendo em nós, agora no presente, as características da pessoa do futuro.


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Cezar Braga Said
Revista Reformador nº 2178 de Setembro de 2010


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